quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Sexualidade e gênero pautam o teatro em 2015

Temas como prostituição, homofobia, aventuras eróticas, transgêneros e travestis vão ser abordados por diretores.

Se o Congresso eleito neste ano é o mais conservador desde 1964, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, a classe teatral brasileira segue no sentido contrário. Em 2015, os planos dos encenadores sugerem sexualidade e quebra de tabus com assuntos que vão desde o retrato da vida de michês nos grandes centros urbanos a ataques homofóbicos, passando por histórias de transgêneros e travestis.

Com estreia no dia 19 de janeiro no Espaço Beta, do Sesc Consolação, "Revide" é o primeiro espetáculo da safra a entrar na temática. O texto de F. A. Uchôa mostra um caso fictício, mas muito próximo de situações reais: dois irmãos caminham de mãos dadas pela Avenida Paulista, quando são espancados por um grupo de adolescentes. A partir disso, um desconhecido resolve vingá-los por conta própria. A ideia é gerar uma discussão ampla sobre a violência urbana.


Hilda Hilst. Escritora e dramaturga paulista
ganha ocupação no Itaú Cultural

No mês seguinte, o Itaú Cultural monta a "Ocupação Hilda Hilst" (1930-2004), que não aborda exatamente a carga erótica contida em suas obras, mas a característica perpassa a mostra. “Vamos criar uma exposição totalmente em primeira pessoa”, diz o gerente do núcleo de Audiovisual e Literatura da instituição, Claudiney Ferreira. Além de diversos tipos de manuscritos de Hilda, dois monólogos já conhecidos do público paulistano serão encenados ao longo da ocupação, que vai até abril: "A Obscena Senhora D" (com direção de Donizeti Mazonas e atuação de Suzan Damasceno) e "Osmo" (no qual ambos invertem os papéis).

Após abordar o tema gay em "Dizer e Não Pedir Segredo", de 2012, o Teatro Kunyn, coletivo criado por artistas como Ronaldo Serruya e Luiz Fernando Marques (diretor do Grupo XIX de Teatro), retoma o assunto na peça "Orgia ou De Como os Corpos Podem Substituir as Ideias" (o título ainda é provisório). Com estreia prevista para junho, o espetáculo pretende discutir a sexualidade na esfera pública com base na passagem do jornalista e escritor argentino Tulio Carella (1912-1979) por Recife – história registrada no livro "Orgia – Os Diários de Tulio Carella, Recife 1960", lançado em 2011. “Soubemos de Tulio pelo "Devassos no Paraíso" ("livro em que João Silvério Trevisan dedica a ele um capítulo")”, diz Marques. “Ele fica à deriva, observa a cidade, conhece as pessoas. O texto tem uma parte íntima e explode para um pensamento, uma reflexão sobre o País.” Para manter essa característica, o processo de criação da peça vai ocorrer em espaços públicos de São Paulo (como o Parque da Luz e o do Ibirapuera) – o que deve se manter quando o trabalho estiver pronto, durante a temporada. Em janeiro, o grupo ministra uma oficina para 15 atores, que podem vir a participar da peça – a seleção ainda está aberta.


Georgette Fadel

Com cinco projetos em andamento, a atriz e diretora Georgette Fadel circula entre Rio e São Paulo para pesquisar a prostituição masculina. "Caravelados", que deve estrear em março em alguma das duas cidades, tem base numa pesquisa da década de 1980, sobre a atividade de michê. “A peça revela os desejos recolhidos da sociedade, o cinismo social, o mercado do desejo da carne”, diz Georgette. Também para 2015, a diretora tem, na manga, "O Leque de Lady Papapa", com texto de Oscar Wilde e interpretação de Newton Moreno. “A proposta é fazer o espetáculo com transgêneros, travestis, sapatões, drags. Um badauê de atores para desenvolver uma linguagem bem trans.”

Prestes a completar 15 anos, a Companhia Nova de Teatro concretiza uma ideia que surgiu no início de 2014. Após uma temporada em Nova York para encontros com o dramaturgo Richard Foreman, o grupo apresenta, entre junho e julho, o "Projeto 2xForeman", com as peças "Badboy Nietzsche" e "Prostitutas Fora de Moda" – esta sobre prostitutas “old fashioned” (como diz o diretor Lenerson Polonini), que estão, de alguma maneira, fora do padrão.


Os 120 Dias de Sodoma - Os Satyros

Mesmo tendo festejado 25 anos em 2014, Os Satyros devem, agora, voltar à primeira fase do grupo, quando encenaram textos de Marquês de Sade – que deu nome ao “sadismo”. Segundo Rodolfo García Vázquez, um dos diretores do grupo, está prevista uma tetralogia com as peças "Justine", "Juliette", "Os 120 Dias de Sodoma" e "A Filosofia na Alcova". Há, ainda, a ideia de fazer "Multidão", uma peça performática que se baseia na obra do filósofo americano Michael Hardt para abordar o capitalismo contemporâneo – o que também é, de certa forma, obsceno.

Fonte: http://cultura.estadao.com.br/noticias/teatro,sexualidade-e-genero-pautam-o-teatro-em-2015,1611788
http://atoresdadepressao.blogspot.com.br/2014/12/sexualidade-e-genero-pautam-o-teatro-em.html

domingo, 2 de novembro de 2014

Cinema em Mato Grosso do Sul


Com o lançamento do filme A TV ESTÁ LIGADA, do diretor ESSI RAFAEL no próximo final de semana no Cinemark do Shopping Campo Grande, vimos mais uma produção do cinema de MS que se encontra em franca expansão.

Para aqueles que acham que o estado e sua capital vive exclusivamente do teatro quando se fala em artes cênicas, essa efervescência cultural tem sido muito benéfica.

De 2009 para cá temos visto várias produções, tanto locais quanto nacionais, sendo levadas a termo em nossa cidade.

Tive a oportunidade e o prazer de participar de algumas dessas produções, com orgulho de ver como o mercado está se encaminhando.

Em 2009 fiz parte do elenco de apoio do longa-metragem CABEÇA A PRÊMIO, dirigida pelo ator e diretor MARCO RICCA.


E após essa breve participação, pude fazer parte do elenco de alguns curta-metragens locais, onde senti-me orgulhoso por estar fazendo parte do cinema desse belo estado.

Também tivemos o prazer de participar das gravações de ANA, do diretor BRENO BENETTI, onde o universo onírico da personagem servia de pano de fundo para essa história muito interessante.


E nesse ano de 2014, tivemos as gravações de LÚCIA TEM UM RABO, de CAMILA NHAM, agora chega o momento da mais nova produção da qual tomaremos parte.


E ainda há quem diga que não há produção cinematográfica fora do eixo Rio-SP. Tem que se observar melhor as produções locais. Além de MS, Rio Grande do Sul e Curitiba, bem como Salvador e outras cidades, estão com polos de cinema muito movimentados.

Aproveite prá conferir o trailer e o teaser de algumas das produções acima na nossa página de vídeos clicando AQUI.

Agora, estamos em fase de preparação para participar em mais uma produção cinematográfica, trata-se do curta-metragem AQUI Ó, dos diretores FÁBIO FLECHA e TÂNIA SOZZA, da Render Brasil. Aguardem então mais uma estréia nos nossos cinemas de uma produção genuinamente sul-matogrossense.

Vale a pena conferir!

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Filme: “A TV está ligada” será lançada no Cinemark de Campo Grande


O lançamento do curta-metragem “A TV está ligada”, produção da Casa de Cinema de Aquidauna escrita e dirigida pelo cineasta Essi Rafael, acontecerá nos dias oito e nove de novembro. As exibições acontecerão no Cinemark de Campo Grande, localizado no Shopping Campo Grande.

Realizado durante um período de três anos e contando com a colaboração de inúmeros artistas de Mato Grosso do Sul, “A TV está ligada” versa sobre um dos maiores símbolos do nosso tempo, a representante legítima da era do conhecimento e da sociedade das informações: a notícia.

Em meio a esse mundo onde nada escapa aos holofotes, surge o Maníaco da Calçada, um criminoso cujos passos ganham espaço na televisão e trazem medo e insegurança à cidade de Campo Grande.

O filme foi financiado pela FCMS (Fundação de Cultura de MS), através do Edital de apoio à produção de obras audiovisuais inéditas de curta-metragem e pela Fundac (Fundação Municipal de Cultura), através do Fmic (Fundo Municipal de Incentivo à Cultura).

Os ingressos serão gratuitos, com distribuição a partir das 10h no hall de entrada do Cinemark.

Equipe
Roteiro e Direção: Essi Rafael
Produção: Valquiria Allis
Direção de Fotografia: Helton Pérez
Som & Trilha Sonora Original: Leonardo Copetti
Direção de Arte: Maíra Espindola
Produção de elenco: André Knöner Monteiro
Assistente de Direção: Alan Caferro
Assistente de Som: Heitor Menezes
Assistente de Direção de Arte: Gabriel Savala
Criação de Vinhetas e Logomarcas: Animatronic (Josué Oliveira Junior)
Tratamento de Imagens: Vaca Azul
Produção Adicional: Luciana Kreutzer, Tetê Irie, Mariana Sena Madureira Figueiró e Greg Medeiros

Elenco
Geraldo Saldanha, Ramona Rodrigues, Elaine Valdez, Mário Filho, Regiane Ribeiro, Luciana Kreutzer, Samuel Medeiros, Jair Damasceno, Thiago Fraga, Hector Filho, Juúh Cordeiro, Ricardo Alexandre, Daniela Lacerda, Geraldo Espindola, Andréa Freire, Ângelo Marcos Arruda, Roy Hale, Fernando Cruz, Conceição Leite, Alexander Onça, Isac Zampieri, Yago Garcia, Bruno Moser, Marcos Alexandre de Melo, Felipe Avila Rezende, Belchior Cabral, Cleber Dias, Espedito Di Montebranco, Denisse Torres, Ana Paula Revoredo, Nathália Maluf, Denisse Torres, Pietro Lara, Renderson Valentim, Leandro Faria Lelo, Valeria Benites, Nana Lima, Cássia Namekata, Aline Dessandre Duenha, Tatá Marques, Airton Raes Fernandes, Nadja Mitidiero, Eduardo Miranda Martins, Natália Cabral, Nickolas Saldanha, Thiago Thiago Silva Moraes, Rafael Knoner e muito mais!

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Como é Feita uma Cena de Sexo no Cinema ou TV


Um vídeo divulgado pelo diretor americano Joe Carnahan está fazendo sucesso na rede.

Trata-se de uma cena de sexo de "Stretch", mais recente produção do americano, em que a atriz Brooklyn Decker e o ator Patrick Wilson fingem ter um orgasmo.


Bem humorado, o diretor grita "Boa transa!", antes de um assistente borrifar um líquido que simula suor nas costas de Wilson.

Este é o oitavo filme dirigido por Carnahan, conhecido por filmes independentes como Smokin' Aces (2007) e The A-Team (2010), que unem ação e humor ácido.

Mas aí, surge aquela pergunta por parte dos espectadores: Mas a cena é real? Existe "sexo técnico", assim como existe o "beijo técnico"?

Lamentamos decepcioná-los mas, sim, existe o "sexo técnico". Exceto raríssimas exceções, alguns filmes não-pornográficos possuem cenas reais, mas como disse, são raros.

O sexo nas telinhas e telonas segue uma regra básica: você não precisa ver para crer. Os diretores usam uma série de recursos de filmagem para que o espectador acredite que os atores estão de fato mandando ver. A temperatura das técnicas pseudossexuais vai subindo de acordo com o tipo de filme: elas podem ir de simples brincadeiras de edição até o extremo do sexo real.

Não é muito difícil de acreditar que os diretores utilizam recursos que induzem o clima de sexo para conseguirem atingir o objetivo da cena, mas o estranho é que até a temperatura é alterada de acordo com a “agitação”.

E assim as cenas de sexo acabaram sendo divididas em quatro classificações que vão desde cenas mais frias até aquelas absurdamente quentes, e cada uma utiliza de truques diferentes para convencerem os telespectadores:

1 – Faz de conta: Nesse caso o sexo não é tão importante, então muitas vezes você entende o que aconteceu, mas não vê nada. A temperatura do set fica bem fria, até porque a classificação indicativa para esse tipo de cena é de 12 anos.

2 – Dublê: Acontece quando a cena de sexo é importante, mas os atores se recusam a executa-la. Então o diretor precisa decidir entre não gravar a cena e simplesmente mostrar os atores cobertos por lençóis ou contratar um dublê para gravarem as partes de corpo. A temperatura nesse tipo de gravação é morna e a classificação indicativa é de 14 anos.

3 – Sexo técnico: Nesse caso os atores topam completamente a nudez. E ficam no set apenas aquelas pessoas indispensáveis para a filmagem e direção da cena. E finalmente a nudez acontece sem tapa-sexo ou qualquer roupa íntima. Entretanto não há penetração, por isso a cena precisa ser rica em detalhes e acaba sendo gravada de diversos ângulos para facilitar a edição e credibilidade da cena. Nessa categoria a temperatura já sobe bastante e a classificação é de 16 anos.

4- Sexo! Essas cenas são um pouco raras, mas acontecem. E acreditem não são apenas em filmes pornográficos. Entretanto trás uma grande dificuldade para os diretores, que é conseguir que os atores fiquem à vontade para serem gravados em um momento tão íntimo. A temperatura é absurdamente quente e a classificação é de 18 anos.


Agora é só observar atentamente as cenas mais quentes da TV e classifica-las!

Fonte: Site Youtube; Site Poltrona de Cinema; Site Catraca Livre.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Livro "O Ator Invisível", de Yoshi Oida (Link para Download)

Yoshi Oida – Ator, diretor e professor integrou desde 1968 a companhia teatral de Peter Brook, em Paris.

Nesse livro que é um manual prático da arte de atuar, Yoshi demonstra a amplitude e profundidade de suas experiências. 

Mostra técnicas do Oriente e Ocidente, do tradicional e do experimental, do texto escrito e do improvisado, do cinema e do teatro, do corpo e da voz.

Cada parte técnica é exemplificada por pequenas e delicadas historias. É extraordinário o alcance de habilidades que o torna único e especialmente qualificado para falar sobre o oficio do ator.

“O ator jamais deve ser visto e sim a sua interpretação, e esta deve ser de supremo e estudado controle, para definir e expor em profundidade.”, diz Yoshi.

Como diz Peter Brook sobre o livro “Um Ator Invisível”: “Yoshi Oida mostra como os segredos e os mistérios da interpretação são inseparáveis de uma ciência precisa, concreta e detalhada, aprendida no calor da experiência. As lições vitais que ele nos passa são apresentadas de maneira tão luminosa e graciosa que as dificuldades, freqüentemente, tornam-se invisíveis.”

Para quem estiver disposto a conhecer o livro, segue abaixo o link para download:

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A atenção em "A Preparação do Ator" de Stanislávski

Constantin Stanislávski é sem dúvida um dos mais influentes pensadores teatrais do século XX. Seu “método” de preparação de atores e criação de personagens representou uma verdadeira revolução no fazer teatral ocidental – revolução que já era apontada como necessária por Diderot (2005) e posteriormente por Craig (2004), ao dizer que o teatro poderia alcançar novos patamares com a sistematização do trabalho do ator.

O esforço de Stanislávski empregado na construção de um teatro que fosse eficiente em sua comunicação com o espectador teve como mais expressivas as encenações das peças de Anton Tchékhov desenvolvidas junto ao Teatro de Arte de Moscou. Esta experiência originou diversas teorias, sendo que algumas compartilham e verticalizam as ideias de Stanislávski, ao passo que outras trabalham na negação da mesma.

Apesar de negar as suas pretensões científicas na introdução de El trabajo Del actor sobre si mismo (2010), Stanislávski não tem como negar a influência que o pensamento científico exercia naquele momento sobre o seu método. Como nos aponta Jorge Saura, em suas notas à edição espanhola, ele conhecia e utilizava diversos termos da biologia e da psicologia para estruturar seu pensamento e de certa forma validá-lo.

Em numerosas ocasiões Stanislávski cita em seus escritos obras de médicos, psicólogos e biólogos, hoje já esquecidos, como forma de validar cientificamente suas descobertas e deduções empíricas. A falta de interesse da ciência para com o teatro, expressada em diversas ocasiões pelo diretor russo, manifestava seu temor que as suas teorias sobre a arte do ator pudessem não ser levadas a sério. Deve-se ter em vista que quando Stanislávski escreve seu livro (por volta de 1935) havia apenas quarenta anos que a profissão do ator tinha deixado de ser considerada, na Rússia, própria de pessoas incultas e de índole duvidosa. (STANISLÁVSKI, 2010, P. 25).

Por outro lado, acredita-se que o surgimento do pensamento científico no teatro, que tem como marco a produção bibliográfica de Stanislávski, provém de uma necessidade característica do fim do século XIX, de revisar todos os conhecimentos humanos a partir do olhar da ciência. Como aponta Crary (2001), este período foi marcado pela relativização da objetividade do conhecimento empírico; a partir deste período o mundo ocidental passa a atribuir certa parcialidade ao olhar humano.

O científico em Stanislávski está pautado, principalmente, no diálogo que sua obra estabelece com os conceitos colocados em pauta pela nova ciência da psicologia (como os do subconsciente, da atenção, da imaginação e da memória), principalmente, no estabelecimento das bases de um método (científico) de criação cênica. Do legado escrito deixado pelo encenador russo, este trabalho concentra-se sobre seus apontamentos acerca da preparação do ator (Stanislávski, 2010).

Ao analisar o livro de Stanislávski e os treinamentos que temos em escolas e universidades de teatro no Brasil, constata-se o quanto seus escritos foram fundamentais para o desenvolvimento de um modelo para a preparação do ator, que hoje é predominante, tanto no ensino técnico quanto no ensino universitário. Tendo esse fato em vista é necessário levantar uma questão: qual versão de Stanislávski é ensinada aos alunos brasileiros? Quando se faz uma leitura atenta da obra em suas versões traduzidas diretamente do russo (neste caso as edições espanhola e italiana) em comparação com a versão traduzida da obra americana, percebe-se que a versão americana impera no Brasil, uma vez que a tradução de Pontes de Paula Lima, feita a partir da tradução americana, é a única disponível no Brasil, em língua portuguesa.

Deseja-se não meramente supor que há uma leitura correta do “método”, mas relativizar a visão que se tem do livro como uma obra fechada e sagrada. Há na obra estudada uma série de aberturas, decorrentes em especial da tendenciosa tradução americana, que permitem, ainda hoje, que diversas leituras sejam feitas, atualizando o pensamento do autor diante do mundo contemporâneo. Seria impossível, em um artigo, destrinchar a obra ponto a ponto, comparando as versões russa e americana e este é um dos motivos (dentre os muitos) que faz com que este estudo se concentre na questão da atenção.

Mas por que a atenção? Pode haver diversas respostas a esta pergunta. Pode-se dizer que dentre os fundamentos principais do treinamento, como nos aponta Farber (2008), a atenção é, nos dias de hoje, o primeiro tópico do ensino de teatro nas principais escolas Russas, como a SPAGATI (Academia Estadual de Teatro de São Petersburgo) e a RATI-GITIS (Academia Russa de Teatro). Estas escolas abordam a atenção no sentido de desenvolvê-la, para que no palco e na vida o ator possua uma maior capacidade de concentração, criação e ação. Ainda pode-se dizer, tal como um dos principais psicólogos do início do século XX, Hugo Munsterberg, que a atenção é a primeira e a principal função interna que cria o significado do mundo externo para nós. Tudo que percebemos é controlado pela relação entre a atenção e a desatenção. (MUNSTERBERG, 2004, p.31)

O livro El trabajo del actor sobre si mismo (2010), que contém a base do método de preparação do ator para Stanislávski, é organizado em forma de um suposto diário de trabalho do aluno Kóstia, um iniciante no estudo da arte teatral que está sob a tutela do diretor Tórtsov. Por ser escrito na forma de um diário, é possível dizer que a obra em questão apresenta uma relação direta entre o treinamento e o tempo, ou seja, a proposta de Tortsóv (personagem da obra que representa a voz do autor) desenvolve um conteúdo ordenado dos conhecimentos mais básicos para os mais avançados, em uma linha temporal contínua.

Para analisar o treinamento proposto por Stanislávski, no aspecto relativo à ordenação de seus conteúdos, temos duas possibilidades: ao seguir a ordem aparente de seu livro pode-se dizer que a preparação técnica do ator, para possibilitar que sejam feitas as primeiras cenas, passa sequencialmente por exercícios de 1.ação, 2.imaginação, 3.atenção e 4.relaxamento; Mas ao olhar, num segundo momento, parece que esta ordem deriva de um “erro” do diretor Tórtsov na condução do treinamento — deve-se levar em consideração que o livro está escrito na forma de um romance e não de um manual— ou seja, a ordem efetivamente proposta pelo “método” é diferente da ordem aparente e seria composta por um treinamento que possui a seguinte ordem cronológica 1.atenção, 2.imaginação, 3.ação e 4.relaxamento.

Portanto, quando depois de passar por exercícios de imaginação (no capítulo 5), Tórtsov percebe que sem a atenção não é possível nem à ação, nem à imaginação desenvolverem-se plenamente, ele demonstra que a atenção seria verdadeiramente o primeiro passo para o treinamento técnico do ator que estivesse disposto a seguir seu método.

Ao reconhecer a atenção como elemento primordial do treinamento do ator, Stanislávski introduz no teatro uma descoberta que havia sido feita por psicólogos como Helmoltz e Munsterberg no início do século XX: que todo o mundo cognitivo deve passar pela atenção para poder ganhar o nível do consciente. Diante disso, torna-se necessário ao ator uma atenção diferenciada do não-ator. Para explicitar melhor o que seria a atenção no teatro, o diretor Tórtsov formula uma explicação que parece copiada de um livro de Hugo Munsterberg, ou de algum outro psicólogo de seu tempo:

Quanto mais chamativo for o objeto, mais atrairá a atenção. Não há um só momento na vida de um homem em que sua atenção não se sinta atraída por algum objeto. E quanto mais interessante for o objeto, maior será seu poder sobre a atenção do artista. Para distraí-lo da plateia, deve-se introduzir habilmente um objeto interessante aqui, no palco, como a mãe distrai a criança com um brinquedo. (STANISLÁVSKI, 2010, p.104)

Neste trecho demarca-se ao mesmo tempo sua visão de como a atenção do ator age, bem como a postura que o diretor deve ter diante disto. Para Stanislávski o principal problema que seu sistema busca abordar, no que se refere a atenção, é relativo ao ator que deixa de se concentrar em sua personagem e no palco para concentrar-se na plateia, no crítico, no diretor etc. Para reforçar a suposta ligação entre o método de trabalho de Stanislávski e a pesquisa da psicologia do início do século XX, transcreve-se abaixo um trecho do livro no qual Hugo Munsterberg analisa a atenção no evento teatral:

O foco da atenção é dado pelas coisas que percebemos. Tudo o que é barulhento, brilhante e incomum atrai a atenção involuntária. Devemos voltar nossa mente (atenção) para o lugar onde ocorre uma explosão, temos que ler o anúncio luminoso que pisca. Certamente, o poder de motivação das percepções impostas à atenção involuntária pode ter origem em nossas reações. Tudo o que mexe com nossos instintos naturais, tudo o que provoca esperança, medo, entusiasmo, indignação, ou qualquer outra emoção forte assume o controle da atenção. [...] Seguramente, não faltam meios de canalizar a atenção involuntária para pontos importantes no teatro. Para começar, o ator que fala prende nossa atenção com mais força do que os que estão calados naquele momento. [...] O ator que vai até o proscênio está imediatamente no primeiro plano de nossa consciência. Aquele que levanta o braço enquanto os outros estão parados ganha a atenção para si. Sobretudo, cada gesto, cada personagem organiza e ritma à multiplicidade de impressões organizando-as em benefício da mente. A ação rápida, a ação incomum, a ação repetida, a ação inesperada, a ação de forte impacto exterior vai forçar nossa mente perturbando o equilíbrio mental. (MUNSTERBERG, 2004, P. 32- 33)
Diante do discurso de Munsterberg que expressava, de certa forma, uma continuidade do discurso de William James, Théodule Ribot, Wilhelm Wundt e outros psicólogos do início do século XX, percebem-se diversas aproximações ao vocabulário utilizado por Stanislávski. Evidencia-se o conhecimento do encenador russo da pauta de discussão da psicologia. Não se pode deixar de reparar na carga teórica e conceitual que recai sobre termos que ele utiliza, tais como: subconsciente e atenção dirigida. Ainda que num processo de treinamento pudesse haver uma referência à atenção enquanto uma metáfora de trabalho, a ideia de uma atenção dirigida ou focalizada está diretamente ligada aos conceitos desenvolvidos pela psicologia de seu tempo.

É um vestígio dessa influência a afirmação de Stanislávski de que a atenção dirigida a um objeto desperta ainda mais a observação do ator. Deste modo a ação entrelaçada com a atenção cria um forte vínculo com o objeto. (STANISLÁVSKI, 2010, p.105). A partir desta afirmativa pode-se concluir que a atenção e a ação estão entrelaçadas de modo definitivo no momento da apresentação tal como iria figurar na prática de Stanislávski, anos mais tarde.

Deduz-se de seus escritos, que a atenção do ator durante o treinamento é diferente da utilizada ao longo da apresentação. No momento do treinamento é necessário que a atenção voluntária do ator seja treinada separadamente da ação e da imaginação conforme acompanha-se pela própria organização de seu livro. Já no momento da apresentação, durante a qual a atenção do ator está em sua maior parte dominada pela força do hábito, ela deve integrar-se de forma definitiva à ação e à imaginação. Como aponta Jorge Saura em suas notas sobre o livro El trabajo del actor sobre si mismo.

Com esta intervenção de Tórtsov [sobre a condução da atenção do ator], Stanislávski salienta a natureza ativa da atenção cênica, ideia que ganhou força na prática pedagógica de seus últimos anos e que foi desenvolvida por seus discípulos. Se no princípio os exercícios sobre esta área tendiam a fixar a atenção sobre um objeto durante um tempo mais ou menos prolongado ou a ampliar e reduzir os círculos de atenção, com o passar do tempo a atenção se converteu em parte integrante da ação, ao emanar da ação. (SAURA Apud STANISLÁVSKI 2010, p.105)

A afirmativa de Saura reforça nossa proposição de uma leitura da atenção e da ação como elementos indissociáveis no processo de criação e de atuação para o encenador russo. Sem dúvida, a principal estrutura para entender a atenção no treinamento proposto pelo “sistema” de Stanislávski é a dos círculos de atenção.

Para compreender a proposta dos círculos de atenção nos voltamos por um instante para a teoria do holofote descrita por Cristian Wolf em 1740, segundo a qual a atenção visual se comporta tal como um foco de luz de um holofote: quanto mais área ela abrange, mais rarefeita é sua luz e mais geral; por outro lado, quanto menor o foco, mais concentrada será sua luz, permitindo o detalhamento. A teoria de Wolf parece conter a explicação básica do modo como Stanislávski utiliza a palavra atenção em seu trabalho, a partir da relação espaço/detalhamento da percepção.

Para Stanislávski (2010, p. 111) o círculo de atenção já não se trata de um só ponto [de atenção], mas de todo um setor de pequena extensão que compreende muitos objetos independentes. Ele propõe que o círculo de atenção pode ser subdividido em três partes, segundo sua área de abrangência.

O pequeno círculo consiste em uma focalização (que pode ser feita através de uma luz ou do olhar focalizado) de um pequeno espaço fora de seu corpo, do qual seu corpo é geralmente o centro. Este é o circulo da solidão, pois quando não se vê o espectador, tem-se a sensação de que se está só em seu próprio quarto. O círculo médio é uma focalização em uma área bem ampla, onde não se pode atentar para todas as coisas ao mesmo tempo. O olhar tem que percorrer o espaço em busca de identificar sua delimitação. A grande área iluminada pelo foco de luz (no caso do exercício que utilizava focos de luz) já traz a impressão de que não se está só. O círculo grande é o maior de todos. As suas dimensões dependem do alcance da vista. Portanto num local aberto como uma praia, esse círculo só teria como delimitação física o horizonte.

De que serve a repetição de exercícios para a atenção durante o treinamento do ator? Segundo Stanislávski (2010, pp.116-117) para que o ator possa ter um treinamento que aumente a eficácia de sua atenção durante a cena, não deixando que ele se distraia de seu objetivo. A proposição pode ser entendida mais claramente a partir da fábula hindu contada por Tórtsov sobre o marajá que escolhe para seu ministro aquele que não sendo distraído por nenhum estímulo externo seja capaz de dar a volta caminhando sobre a muralha da cidade com um copo de leite cheio até as bordas sem derrubar uma gota sequer. Para Stanislávski o bom ator é esse, capaz de concentrar-se em seus objetivos.

Convém ressaltar que esta conceituação de atenção utilizada por Stanislávski tem como referência a atenção visual, está em acordo com as pesquisas dos psicólogos do início do século XX. No entanto, a sua teoria se afasta da psicologia quando se refere ao objeto da atenção. Neste ponto Stanislávski deixa o rigor científico para abordar o tema de um modo prático e mais metafórico.

Quando ele propõe uma distinção dos objetos internos e externos, ao que parece, está se referindo ao efeito que a lembrança de uma experiência causa no ator e não diretamente a atenção sensorial. Diz que o objeto “externo” faz referência a uma lembrança, em geral associada à visão. Por outro lado ele considera que “objeto interno” é aquele relacionado a uma reação corporal efetiva, como salivar, que está mais ligada ao paladar, ao tato, ao olfato e à audição. Transcreve-se abaixo um trecho no qual o assunto é abordado de forma mais clara.

(Tórtsov diz) – Paulo, recorde o sabor do caviar.
- Já recordei – respondeu.
- Onde se encontra o objeto de sua atenção?
- Em princípio tive a imagem de um grande prato de caviar colocado sobre a mesa.
- Ou seja, que o objeto estava fora de você.
- Mas em seguida a visão me provocou sensações gustativas na boca e na língua – lembrou.
- Ou seja, dentro de você – observou Tórtsov-. Para aí também se dirigiu a sua atenção. Paulo, recorde agora da marcha fúnebre de Chopin. Onde está o objeto?
- Em princípio fora de mim, no cortejo fúnebre. Mas os sons da orquestra soam em meus ouvidos, ou seja, dentro de mim mesmo – disse Paulo.
- Para onde se dirige a sua atenção, certo?
- Sim.
-Por consequência, na vida interna nós criamos no início representações visuais sobre a mesa do caviar ou sobre o cortejo fúnebre, mas depois através dessas representações despertamos as sensações interiores de algum dos cinco sentidos e fixamos definitivamente nesse lugar nossa atenção, que, portanto, converge em objeto de nossa vida imaginária, não por uma via direta, mas por via indireta, através do que podemos chamar de um objeto auxiliar. Isso é o que ocorre com nossos cinco sentidos. (STANISLÁVSKI, 2010, pp. 119-120)


Neste pequeno diálogo Tórtsov induz Paulo, com sua atenção voluntária, a pensar em objetos fora e dentro de seu corpo. A partir disso percebemos que, ao menos nessa obra, o autor está nos propondo exercícios justamente para fortalecer a atenção voluntária e impedir que a atenção involuntária desvie o ator de seu papel. Portanto a atenção do ator é, neste caso, sempre voluntária visando ao hábito através do treinamento.

Outra pista sobre a concepção de atenção para Stanislávski está em sua explicação de porque é possível para um equilibrista de circo fazer diversas coisas ao mesmo tempo: “A razão de ele poder realizar tudo isso ao mesmo tempo é que no homem a atenção tem múltiplos planos que não interferem um no outro.[...] Por sorte muito do habitual se torna automático. Com a atenção pode ocorrer o mesmo.” (STANISLÁVSKI, 2010, p.125)

Pode-se dizer, a partir da análise dos escritos do autor, que numa situação teatral ideal, o ator deve agir prioritariamente a partir de sua atenção voluntária e do hábito por ela gerado, enquanto o espectador deve se utilizar principalmente de sua atenção involuntária para fruir o espetáculo.

Antes do início do treinamento técnico do ator, Stanislávski propõe que seja feito um diagnóstico da capacidade atentiva do ator e de seus hábitos através de uma prova de palco. Já no primeiro ensaio para esta prova de aptidão (como chamamos nos dias de hoje o teste para ingressar no curso de teatro) Stanislávski demonstra-nos a fragilidade da atenção pouco treinada nas palavras de Kóstia:

Assim que pisei no tablado, apareceu em minha frente a imensa boca de cena e por trás dela uma interminável penumbra. Pela primeira vez vi a partir do palco a plateia, agora vazia e deserta. Sentia-me totalmente desorientado. [...] Durante um longo tempo não pude me orientar no amplo espaço rodeado por cadeiras, nem concentrar minha atenção no que sucedia ao meu redor. (STANISLÁVSKI, 2010, p.21)

A experiência na prova de palco serve de início para o treinamento prático, fornecendo ao diretor um diagnóstico da capacidade de concentração de cada aluno. Em seguida a esta prova ele demonstra, em vários trechos, a importância da atenção no treinamento do ator e como esta deve ser conduzida.

No início do capítulo 3, no qual se introduzem exercícios técnicos para o ator, ele desenvolve uma cena exemplar, na qual o personagem de Tórtsov fica sentado, imóvel, em uma cadeira. A ação de Tórtsov sentado na cadeira (STANISLÁVSKI, 2010, p.53) atrai de forma definitiva a atenção do aluno-espectador. Utilizando a focalização de sua atenção em cena, Tórtsov provocava reações, sensações e pensamentos em seu público, de acordo com seus objetivos.

A importância de um treinamento da atenção voluntária do ator para a realização de seus objetivos fica explícita também no exercício que Tórtsov propõe a Maria (STANISLÁVSKI, 2010, p.56-57). Ele pede que ela procure um broche no palco e sugere uma história (fictícia) como pano de fundo. No entanto, Maria se esquece do broche e fica “representando sentimentos”, com a atenção voltada para os espectadores que a observam.

Neste ato narcisístico a atriz esquece o seu real objetivo em cena e, com isto, faz com que a cena perca sua eficácia no que diz respeito à comunicação com o espectador. Isto está ligado à concepção de Stanislávski sobre a qualidade da ação do ator. Para Tórtsov (e consequentemente para Stanislávski) a “boa ação” está ligada à eficácia do estímulo sobre a atenção do espectador, e por consequência ao afeto de sua memória, sua imaginação e sua emoção.

Sobre a importância da ligação entre atenção, ação, memória e imaginação para a geração de uma cena de qualidade, no capítulo 3 ele diz:

[em cena, Kóstia está fingindo que seus fósforos imaginários se apagam diversas vezes enquanto ele tenta acender a lareira. Tórtsov diz-lhe que este tipo de ação mecânica e sem fundamento acontecem, em cena, numa velocidade muito maior do que os atos conscientes e fundamentados e explica o porquê]

- Isso não é estranho – explicou -. Quando você atua mecanicamente, sem um fim determinado, não há nada que retenha sua atenção. Não leva muito tempo para mudar de lugar algumas cadeiras; mas se você quer organizá-las de um modo diferente, com um fim determinado, mesmo que apenas porque tem convidados e quer lhes oferecer o assento segundo sua categoria, demorará um longo tempo para mudar de lugar essas mesmas cadeiras. (STANISLÁVSKI 2010, p.60- 61)


Percebemos ao longo de sua obra, em especial no capítulo 10, no qual é tratado o tema da comunicação, que a finalidade do trabalho com a atenção do ator é maximizar a efetividade da relação que este estabelece com o espectador durante a apresentação, criando assim a possibilidade de se estabelecer uma comunicação efetiva entre o palco e a plateia. Como nos mostra Guerrieri, em sua introdução à edição italiana da obra, Stanislávski deixou apenas fragmentos de seus escritos sobre o espectador, mas não é por isso que ele é desconsiderado pelo seu método.

A presença do público (o seu campo magnético como dizia Jouvet) produz, em um primeiro sentido, efeitos negativos sobre o ator: o hipnotiza, inibe sua fantasia, ou, ao contrário, faz com que ele se exiba, narcisismo este que interfere em sua atividade de intérprete e a desvia. Com uma série de exercícios que trabalham a presença e que reforçam a capacidade de concentração, de atenção, de ‘solidão em público’, combatendo a presença do público e reforçando a sua presença de ator, Stanislávski ensina, em primeiro lugar, a não se estar sob o domínio do público. [...] Faz parte desta concepção a estratégia de abordagem indireta no confronto com o espectador: o dever do ator é chegar ao público não por via direta, mas mediado pela personagem. Assim a comunicação se dá em níveis diversos como o visual, o sonoro, e também de subconsciente para subconsciente.
E aí chegamos ao segundo ponto. O público é o pólo receptor da comunicação teatral, o cátodo do fluído da corrente cênica, e neste sentido integra e interpreta o evento cênico segundo certos processos mentais e estruturas fantásticas, que o ator deve conhecer e deve levar em conta. (GUERRIERI APUD STANISLÁVSKI, 2008, p.XXVII)


Diante desta afirmação de Guerrieri, propõe-se que enquanto os capítulos 3, 4, 5 e 6 (que falam sucessivamente sobre a ação, a imaginação, a atenção e o relaxamento muscular) estão preparando o ator para o encontro com o espectador, no sentido de torná-lo capaz de manter a sua própria atenção em seu objetivo, em sua ação, em sua imaginação e em seu corpo, os capítulos 10 e 11 (que versam, respectivamente, sobre a comunicação e a adaptação) abordam do ponto de vista do intérprete o momento da apresentação. Nestes capítulos mostra-se a importância do conhecimento do ator acerca dos mecanismos de recepção do espectador. Explicita-se como a atenção do ator deve agir neste momento para capturar e conduzir o espectador pela trama do espetáculo.

Esta ação de comunicação do ator, consigo mesmo e com seu companheiro, gera uma abertura sensorial e racional do espectador que vai captando involuntariamente as palavras e ações dos interpretes (STANISLÁVSKI, 2010, p. 252). Esta “captação involuntária” da qual Stanislávski fala pode ser compreendida como a ação da atenção involuntária do espectador agindo sobre a peça.

Portanto, o capítulo 10 trata, em resumo, de como o ator deve conhecer e estar sensibilizado à atenção do espectador. Postula que ao manter a atenção voltada para seu objetivo e, ao mesmo tempo, manter-se aberto para comunicar-se com as coisas e pessoas ao seu redor, durante a apresentação do espetáculo, o ator permite ao público um estado de prontidão e porosidade que libera sua atenção involuntária para agir sobre a peça.

Uma particularidade do capítulo 10 que fala sobre a comunicação do ator é o emprego da palavra irradiação. Esta palavra é utilizada de forma provisória por Stanislávski para designar a comunicação sem palavras, por um caminho invisível, como uma transmissão de raios.

Neste ponto pode-se inferir novamente que ele conhecia e utilizava toda a discussão instaurada pela psicologia, pois como aponta Saura o termo “irradiação” foi tomado por Stanislávski do livro Psicologia da atenção de Ribot. (SAURA Apud STANISLÁVSKI, 2010, p.268) A irradiação seria utilizada no sentido de afinar a atenção e a sensibilidade do intérprete para melhorar seu desempenho espetacular.

A questão da irradiação está diretamente ligada à questão da atenção, figura-se como mais uma das omissões/distorções de aspectos fundamentais da obra de Stanislávski feitas pela tradução de Elizabeth Hapgood. Por não parecer um elemento importante da obra de Stanislávski na tradução americana, os treinamentos de irradiação foram deixados de lado pela maioria de seus discípulos da escola americana e das por ela influenciadas.

O capítulo 11 fala mais especificamente sobre a adaptação que, nas palavras de Stanislávski (2010, p. 280), pode ser descrita como os meios internos e externos com os quais as pessoas se adaptam umas as outras para se comunicar e ajudam-se, mutuamente, a alcançaro objeto. A adaptação em cena é um recurso, uma estratégia que ajuda a atrair a atenção da pessoa com quem se deseja estar em contato.

A partir de todas essas evidências é possível concluir que trabalhar a atenção do ator, segundo a perspectiva de Stanislávski, é buscar cercar o material insondável do inconsciente a partir de seus vestígios mais epidérmicos. É conhecer mais sobre a natureza humana para poder aumentar a eficácia da comunicação que deve existir no momento da cena.

Por isso, a obra de Stanislávski sobre a preparação do ator é um ponto fundamental da retomada da discussão da atenção do ator. A partir da revisão da obra de Stanislávski (2010) percebe-se a importância e a potência que ela tem, ainda hoje, para os estudantes de teatro, em especial para os atores. Mostram-se novos horizontes para o treinamento do ator, nos quais a atenção figura-se como um elemento fundamental, tal como já ocorre nas escolas russas de teatro.

Por: Leonel Martins Carneiro (ator, diretor, e doutorando em artes cênicas pelo PPGAC da USP sob a orientação da Profª Drª Sílvia Fernandes. É Graduado em Artes Cênicas pela UNICAMP e mestre em Artes Cênicas pela USP)

O Corpo é um Instrumento de Trabalho do Ator?


Há certos pressupostos que impedem o ator de criar novos dispositivos e reconfigurar seu modo de trabalhar no teatro. A perspectiva filosófica, enquanto funcionamento do pensamento e procedimento estratégico, pode ajudar a romper paradigmas que parecem inquestionáveis por tocarem no que existe de mais sagrado para o ator: seu Eu humano.

O título propõe uma questão a ser discutida, e que vem sendo discutida nos dias de hoje, tornando a relação entre o ator e seu corpo mais complexa. O século XX (no ocidente) foi o século em que se instaurou a necessidade de uma sistematização do treinamento para o ator, o qual não poderia mais ficar entregue a uma suposta inspiração mística. Neste contexto, grandes mestres do teatro começaram a perceber que se deveria focar no principal instrumento de trabalho do ator: o corpo. Isto foi uma expressiva quebra de paradigma na qual se baseou grande parte dos métodos para o ator do século XX. Porém, uma nova quebra de paradigma se impõe nos dias de hoje, mas esta não chega a constituir ainda uma nova corrente. Trata-se de uma difícil questão que a princípio pode parecer um mero jogo de palavras.


Ao ser chamado para dar uma palestra na UNIRIO sobre o treinamento do ator, Renato Ferracini começou por perguntar ao público presente se fazia sentido dizer que o corpo é o principal instrumento de trabalho do ator. O público, formado em sua maioria por estudantes de teatro, respondeu prontamente que sim. E eis que, para surpresa geral, Renato diz pensar que não, o corpo não é um instrumento de trabalho do ator, pois o corpo é o ator. Renato não é o autor deste pensamento, na verdade trata-se de uma questão que na filosofia vem sendo discutida a mais de um século, e que pode se instaurar como uma nova crise e uma quebra de paradigma no treinamento do ator.

É uma questão impactante, sem dúvida, e é muito tentador concordar com ela por parecer um pensamento de vanguarda. Mas com o passar do tempo, e depois de muito discuti-la com outros atores, comecei a desconfiar que ela poderia não surtir nenhum efeito e não gerar nenhum acontecimento revolucionário dentro do teatro. Na maioria das vezes reverberava como um jogo de palavras poético e inspirador, mas que não reconfiguraria ou geraria novos dispositivos no ator em seu treinamento.

Num outro contexto, preocupado muito mais em salvar a vida e a existência para si de seu corpo do que em formular hipóteses esclarecedoras para o teatro ou para a filosofia, Antonin Artaud escreve numa carta para um amigo uma frase muito impactante, mas que também pode, à primeira vista, parecer não passar de um mero jogo de palavras, e com isso não ser capaz de gerar novos dispositivos em qualquer atividade humana:
“Eu sou meu corpo, mas meu corpo não sou eu” (ARTAUD, 2006).

Como ultrapassar a primeira impressão de encantamento poético que esta frase, assim como muitas outras de Artaud, provoca no espírito artístico? Por outro lado, como escapar do entendimento de que a segunda parte, no final das contas, quer dizer exatamente a mesma coisa que a primeira? A razão para este entendimento acabou se revelando em mim como a mesma que fazia com que a questão colocada por Renato Ferracini acabasse por não gerar mais do que um impacto vazio: a incapacidade de desvincular o corpo de qualquer identidade configurada como um Eu fixo, um Eu que vive através, em ou com este corpo. Comecei a perceber que as grandes revoluções teatrais do século XX, no que tange a uma nova relação entre o ator e seu corpo – e é preciso procurar com muita dedicação para encontrar uma exceção – buscavam aproximar esse Eu abstrato, essa entidade espiritual, da concretude do corpo, rompendo com a separação entre corpo e espírito, entre Eu e meu instrumento de trabalho.

Qual seria então a mudança que esta questão – o corpo não é um instrumento de trabalho do ator, o corpo é o ator – instauraria na relação entre o ator e seu corpo? Faz todo sentido pensar que o ator, como sujeito, não veria seu corpo mais como um objeto distante de si mesmo, mas como parte de si, podendo enfim afirmar: meu corpo sou eu. Mas isto parece ser exatamente o contrário do que Artaud afirmava para si: Eu sou meu corpo, mas meu corpo não sou eu. A meu ver, com esta lógica Artaud não aproxima o corpo de si mesmo. O que parece fazer é mostrar que a identidade-Eu é uma parte das produções do corpo, uma criação sua, mas que o corpo não se confunde com ela, e que misturar indissociavelmente corpo e Eu é reduzir o corpo a uma parcela ínfima de seus fenômenos produzidos. Artaud, assim, encontra-se em grande confluência com o pensamento de Nietzsche:
“’Eu’ – dizes; e ufanas-te desta palavra. Mas ainda maior – no que não queres acreditar – é o teu corpo e a sua grande razão: esta não diz eu, mas faz o eu” (NIETZSCHE: 51). É como se houvesse um estágio espiritual em que o homem valoriza a alma em detrimento do corpo; um estágio humanista em que o homem, ainda compreendido como alma, pretende se reaproximar do corpo, devolvendo o valor que este merece; e um estágio outro, em que o homem, cansado desta tal fábula da alma, quer se redescobrir enquanto um corpo livre, um corpo ateu, um corpo criador, um corpo.

Mas como este entendimento (que parece antes de tudo filosófico) pode gerar novos dispositivos para o ator no teatro? Antes de tudo, penso que ninguém melhor do que o ator para se perceber como um corpo sem que este se represente um Eu que percebe o corpo. Ou mesmo que este se necessariamente represente um Eu, e que a percepção só seja considerada possível pela constituição deste Eu, o ator pode experimentar sensações que escapam à percepção de seu Eu, e que se produzem independente dela.

Mas me parece que a história da construção dos métodos para ator, desde a passagem do século XIX para o século XX até os dias de hoje, circunscreveu o ator num conjunto de pressupostos onde a questão supracitada não encontra as condições necessárias para germinar e contaminar seu trabalho. Ela evapora assim que toca a superfície deste solo infértil. Para fazer o teste de fertilidade, irei à base desta história, tentarei compreender como o sistema de Stanislavski influencia a relação do ator com seu corpo, e como aí parece já se consolidar a raiz da incompatibilidade entre os métodos teatrais de formação do ator e esta questão que se coloca como uma nova tentação que não encontra pontos de contato para se disseminar. É claro que seria preciso analisar todos os métodos existentes para se poder afirmar tal incompatibilidade, mas acredito – e isso não poderá ser desenvolvido aqui – que o problema se encontra na própria estrutura de método que transforma toda experimentação em experiência a ser passada a diante, que funciona como um veículo que abarque o ser humano de maneira geral, fazendo com que as singularidades se diluam ou se adaptem à universalidade de um modelo.

Assim, se o ator pode ser uma potência a experimentar questões filosóficas num espaço mais completo do que a folha em branco, penso também que a perspectiva filosófica – não enquanto visão de mundo, mas enquanto funcionamento do pensamento – pode desemaranhar o ator de uma certa teia de pressupostos para a qual ele não possui olhos para ver como aquilo foi parar ali ou mesmo para detectar sua presença que conduz todo percurso.


Por que o ator precisa ter fé?

É muito comum desvalorizarmos Stanislavski por ele dar mais importância aos processos psicológicos do ator do que ao seu corpo em ação. De fato, numa primeira fase (1898-1918), quando trabalhava no Teatro de Arte de Moscou, ele propunha que o ator se empenhasse em trabalhar o que ele chamava de Forças Motivas Interiores (BONFITTO, 2007). Sem tal estímulo, segundo Stanislavski, o ator não poderia começar a trabalhar em cena, pois seus sentimentos não estariam motivados, e ele acabaria atuando por atuar, sem objetivos claros e precisos, e sem estar verdadeiramente envolvido com a vida do personagem (STANISLAVSKI, 1999). Mas o próprio Stanislavski chegou a um impasse. Percebeu que, por um lado, não se pode fixar os sentimentos, que era preciso ter uma base mais sólida na qual basear o trabalho do ator, que não seria possível reviver a cada apresentação aqueles sentimentos simplesmente a partir da Linha das Forças Motivas com seus elementos estimulantes mentalmente. Por outro lado, se o ator só pode agir quando seus sentimentos estiverem motivados, não haverá espetáculo se isso não acontecer?

É então que o Método das Ações Físicas surge como uma saída para este impasse (BONFITTO, 2007). É se focando na realização de suas ações que poderá se desencadear processos interiores no ator. A Ação Física age portanto como catalisadora das Forças Motivas Interiores. E, por outro lado, ao agir, o ator sentirá a necessidade de justificar para si esta ação, não poderá simplesmente agir por agir, é preciso haver um sentido que preencha e justifique esta ação. E são exatamente os elementos da Linha das Forças Motivas que irão preencher e justificar estas ações. Há portanto uma via de mão dupla entre o corpo e os processos interiores do ator, que na verdade aproxima o corpo de processos interiores a um Eu. Não há mais que separá-los.

Pois bem, não há como discordar que Stanislavski pensa o corpo do ator como fundamental a seu trabalho, que não adianta se focar apenas em processos psicológicos pois o teatro é ação. É possível perceber também a atualidade e pertinência deste problema de, como ator, ter que justificar minhas ações, que é muito difícil “sentir tesão” em realizar ações que não me preenchem ou não fazem qualquer sentido para mim. Posso até me sentir estimulado a agir segundo a proposta de um encenador genial, mas depois de um tempo sentirei a necessidade de justificar estas ações para mim e por mim mesmo. Mas é preciso estar atento às palavras. Faz sentido e é pertinente a questão da necessidade de justificar as ações para si, mas esta é a forma que eu colocaria para mim este problema pertinente? Por uma lógica que aceitamos com uma certa facilidade, esta necessidade de justificar minhas ações em cena passa a ser colocada como uma necessidade de acreditar na verdade daquilo que realizo: a famosa fé cênica (STANISLAVSKI, 1999). Não se trata de uma verdade abstrata que acabaria por me afastar da ação concreta que realizo. Também não se trata da verdade daquilo que existe realmente, como na vida real. Em cena, a verdade
“consiste em algo que não tem existência de fato, mas poderia acontecer.” (STANISLAVSKI, 1999: 168). Aristóteles, em sua Poética, propunha o mesmo raciocínio para o que acontecia no enredo das Tragédias Gregas.

E como o ator poderá acreditar naquilo que não aconteceu com ele, e nem está acontecendo, de fato, neste momento? Um dos principais elementos do método constitui-se de duas letrinhas mágicas: se – como eu agiria se isto acontecesse comigo na vida real. Ao me colocar na situação do personagem, aproximo-me de sua lógica, e posso então criar associações com experiências já vividas por mim outrora. Transito assim entre uma realidade ficcional e uma realidade passada (mas ainda viva em minha memória). O acontecimento cênico presente é, portanto, justificado por um jogo de realidades ausentes. As ações de meu corpo são preenchidas por experiências de outrem, seja pelas circunstâncias dadas do personagem, seja pelas experiências vividas por um Eu de outrora. Acontecerá com o corpo exatamente aquilo que se processar nestas instâncias que agem sobre ele como uma entidade ausente que produz toda e qualquer presença. O que chamamos de presença do ator, neste caso, é fruto do trabalho de elementos ausentes. Neste caso, portanto, realmente é preciso ter fé, fé na Presença da Ausência. Para quem tem facilidade de acreditar em Deus e sua força onipresente, este trabalho não será muito difícil, mas como proceder se ainda tenho esperança num fazer teatral laico?

Devo me esforçar para não raciocinar com precipitação. Não digo que Stanislavski coloca o texto, ou melhor, o papel a ser interpretado e incorporado pelo ator, como uma onipresença que irá gerar a presença do ator. Parece se tratar mesmo do contrário. Ele sabe que o personagem é um pedaço de papel inerte e sem vida, e que é o ator quem irá instilar sua vida humana ali gerando a presença do personagem. É o ator o responsável pela presentificação do personagem, e não o contrário. Este irá apenas direcionar a vida do ator para uma composição particular, pois o ator não irá representar ele mesmo.

O que quero dizer, na verdade, é que isto que se chama “vida humana do ator” é que age como uma ausência presente sobre o corpo. Em consonância com Artaud, Nietzsche e Ferracini, afirmo que o Eu ou esta vida humana foi acrescentada ao corpo e considerada como sua verdadeira natureza. Assim como se considera o personagem um papel inerte sobre o qual o Eu do ator instila vida, considera-se o corpo do homem também como algo morto e inerte no qual Deus instilou vida humana. Ao passar a valorizar o papel do corpo no teatro, não se deixou de ter a alma como o valor supremo. O corpo é aparência, a alma é o ser que o preenche. Meu Deus! Trata-se de Platão ou Stanislavski? Há diferenças, claro. Para Stanislavski, a aparência (o corpo) é um instrumento necessário. A Verdade e o Ser não estão mais num mundo das Idéias, mas numa Natureza orgânica. Este é o novo Modelo. E para alcançá-lo,
Stanislavski (p. 199) nos deixa um conselho: “Evitem a falsidade, evitem tudo o que for contrário à natureza, à lógica e ao bom senso.”

O problema do falso, para Stanislavski, é não podermos acreditar nele. E o valor da verdade não está nela mesma. Stanislavski rejeita a verdade pela verdade, como um fim. Para ele a verdade é um meio necessário ou um critério (Senso de Verdade) para que possamos acreditar no que vemos ou vivemos em cena, e assim nos envolvermos com sinceridade. Isto serve tanto para o ator, naquilo que ele faz ou vive em cena, quanto para o espectador naquilo que ele vê em cena. O importante é que o ator possa justificar sua ação para si mesmo. O que se busca é a tal sinceridade. É por isso que o sistema de Stanislavski continua se revelando de uma pertinência inquestionável, pois ele lida com problemas muito concretos do trabalho do ator, e que continuam se mostrando sem solução. Mas é preciso estar atento ao invólucro religioso, não-laico, e mesmo um tanto quanto catequizador que se encontra emaranhado como parte constituinte do problema.

De onde surgiu esta necessidade de acreditar nas coisas? Será o fato de se trabalhar com coisas que não são produzidas em ato, de não oferecer ao espectador acontecimentos, mas fantasmas, emoções geradas no “Reino da Imaginação”? Esta necessidade não surge de uma lacuna que existe entre o Modelo e a Cópia? A interpretaçãostanislavskiana me parece ser uma tentativa de se aproximar o máximo possível do Modelo: a Natureza. Por isso é preciso fé, fé na legitimidade da cópia enquanto pretendente a ser escolhido e aprovado pelo Modelo e seus critérios (com o detalhe de que estes são interiorizados enquanto Senso de Verdade, esta é a dica do próprio Stanislavski) (STANISLAVSKI, 1999).


Outras propostas fora do pensamento religioso do teatro

Se não há Modelo, não é preciso fé, pois não haverá Juízo de Deus. A potência do Simulacro ou do falso não precisa de fé, mas de poder de engendramento ou de produção. É o Juízo que obriga o ator a ser convincente. E eis que o ator afunda cada vez mais num círculo vicioso (ou virtuoso, já que é o Juízo que nos inclina para a virtude): é preciso fé para embarcar neste mundo psicológico, e para desenvolver esta “fé orgânica” é preciso criar raízes cada vez mais profundas no interior deste mundo psicológico. Por isso tudo deve ser pessoal, pois é o único vínculo que ainda resta, já que não se pode mais desencadear devires ou produzir acontecimentos puros. Não trabalhando mais com as produções do corpo, é preciso então não se perder das raízes da delicada alma. O que acontece é que as ações físicas perdem sua autonomia, tornando-se dependentes da alma e sua fé. Se Eu não acredito nas produções do corpo, restam duas soluções:

  • Tornar estas produções convincentes para o Eu.
  • Eliminar o Eu e seu critério de convencimento e exigência de credibilidade. Assim não haverá ninguém para convencer, devolvendo a autonomia às produções do corpo.

A segunda me parece ser mais interessante, mas por algum motivo Stanislavski insiste na primeira. Por que será? Minha hipótese se baseia na proposição de que ele ainda é assombrado por pressupostos metafísicos, pois, apesar deles, ele detecta fenômenos e propõe procedimentos que poderiam ser eficientes para alcançar a solução que me interessa.

Se dissermos a um ator que seu papel está cheio de ação psicológica, profundidades trágicas, começará logo a se contorcer e exagerar sua paixão, fazê-la em pedaços, escavar a alma e violentar seus próprios sentimentos. Mas se lhe dermos algum simples problema físico para resolver e envolvermos esse problema em condições interessantes, comovedoras, ele tratará de executá-lo, sem se alarmar ou sequer preocupar-se muito em saber se o que faz resultará em psicologia, tragédia ou drama (STANISLAVSKI, 1999: 188).

Mas por que este “simples problema físico para resolver” deve funcionar como um instrumento, um catalisador, uma isca para aquilo que é considerado o santo graal do ator: a sinceridade de sua alma, sua verdadeira natureza, e esta nunca é o corpo, mas é sempre através dele que se poderá encontrá-la? Stanislavski percebe que não se pode abordar diretamente os sentimentos pois isso seria violentá-los, e então ele elabora uma técnica psicofísica. Percebe ainda que sem as ações físicas não é possível fixar os sentimentos. Mas como afirmar que as ações físicas possuem autonomia em seu sistema, se elas servem como uma finalidade de expressar sentimentos, e precisam sempre estar envolvidas “em condições interessantes, comovedoras”? O corpo e a técnica parecem surgir como um mal necessário que deve interferir o mínimo possível na verdadeira criadora: a Natureza, que age sempre como um modelo a ser perseguido, e que serve assim como parâmetro para aquilo que é ou não verdadeiro, é ou não uma expressão sincera dos sentimentos.

Para que o corpo assuma uma autonomia a partir da qual não seria mais preciso ter fé ou acreditar em suas produções, é preciso desvincular-se, por um lado, do modelo da natureza que serve como parâmetro para a verdade, e de outro, do Eu que necessita de uma justificação para aquilo que não surge dele, que surge do corpo do qual ele faz parte. O problema é que meu Eu precisa criar associações de causa e efeito para que esta ação pareça proveniente de uma intenção sua. E é isso que parece ser eficiente em preencher e justificar a ação: a intenção de um Eu, verdadeiro e sincero em sua expressão. É o Eu quem usará seu senso de Verdade para legitimar e verificar se a ação está ou não conectada ao Modelo da Natureza.

E que outro modo existiria para lidarmos com nossas ações físicas em cena? O importante é pensar que devem existir múltiplas, mas quero investigar aqui um modo que me interessa e que poderíamos chamar da construção de um corpo sem órgãos. Deleuze e Guattari citam e refletem sobre um procedimento do artista plástico Vladimir Slepian:


[...] Slepian tem a idéia de utilizar sapatos, o artifício dos sapatos. Se minhas mãos estão calçadas, seus elementos entrarão numa nova relação donde decorrem o afecto ou o devir procurados. Mas como eu poderia amarrar o sapato em minha segunda mão, já estando a primeira tomada? Com minha boca que, por sua vez, encontra-se investida no agenciamento e que torna-se cara de cachorro à medida que a cara de cachorro serve agora para amarrar o sapato. A cada etapa do problema, é preciso não comparar órgãos, mas colocar elementos ou materiais numa relação que arranca o órgão à sua especificidade para fazê-lo devir “com” o outro (DELEUZE e GUATTARI, 1997: 44).

Ao executar este simples problema físico (amarrar os sapatos nas mãos) não se desencadeia em Vladimir Slepianassociações com experiências de outrora ou sentimentos pessoais e sinceros. Muito pelo contrário, desencadeia-se devires para os quais estas associações e sentimentos, exatamente na medida em que são pessoais, agiriam como âncoras que interromperiam o processo. O que se dá é uma reconfiguração do funcionamento de seu corpo, seus órgãos passam a exercer funções para as quais não estariam destinados, e então o devir surge como uma linha de fuga do organismo e de sua subjetividade fixa. Neste processo pode-se chegar a experimentar um corpo sem órgãos.

Enquanto Stanislavski propõe ao ator:
“Nunca se perca no palco. Atue sempre em sua própria pessoa, como artista. Nunca se pode fugir de si mesmo... Assim, por mais que atue, por mais papéis que interprete, nunca conceda a si mesmo uma exceção à regra de usar sempre os próprios sentimentos” (STANISLAVSKI, 1999: 216); Deleuze e Guattari propõem: “vamos mais longe, não encontramos ainda nosso corpo sem órgãos, não desfizemos ainda suficientemente nosso eu. Substituir a anamnese pelo esquecimento, a interpretação pela experimentação” (DELEUZE e GUATTARI, 1996: 11). Se quisermos falar em termos de ações físicas no processo de construção de um corpo sem órgãos não podemos considerá-las como catalisadoras de processos interiores a um Eu, mas antes como desfazedoras de qualquer liame entre um corpo e um Eu, com seu organismo hierarquizado por um cérebro. O Eu traz de volta toda experimentação do corpo sem órgãos para a apreensibilidade das experiências pessoais. Talvez deveria dizer que as ações-experimentações do corpo sem órgãos não são “ações físicas” a serem preenchidas e justificadas por forças motivas interiores. Sim, há um processo depreenchimento do corpo sem órgãos, mas este não funciona como justificação para suas experimentações. Estas não são ocas como um continente a ser preenchido por um conteúdo. O preenchimento não é uma finalidade, mas um acontecimento produtor do próprio tipo de corpo sem órgãos.

Talvez não faça sentido dizer que um corpo sem órgãos é um corpo em ação, pois sua ação é sempre a de fabricarum corpo (sempre no artigo indefinido, alertam Deleuze e Guattari) (1996). Portanto, não há um corpo que faz alguma coisa simplesmente, mas um tal que, ao fazer, se faz. Fazer é sempre se fazer. Então se eu disser que o corpo é a matriz geradora da ação física, devo dizer juntamente que a ação (experimentação) é a matriz geradora do corpo.

Temos assim um procedimento, que é a fabricação do CsO, e os elementos da ação, que é tudo aquilo que passapelo corpo sem órgãos preenchendo-o, sendo que os procedimentos já implicam que algo será produzido, sem podermos saber o quê. Não há como desvincular uma coisa da outra. Mas a questão não é de saber se aquilo que percorre o corpo sem órgãos irá justificar ou não suas ações, mas simplesmente de saber se algo passa ou não. Com isso surge ao invés da necessidade de justificar a ação, a necessidade de elaborar estratégias que desfaçam aquilo que impede a circulação. O que circula? Intensidades que não assumem o caráter de sentimentos ou experiências apreensíveis. O que bloqueia a passagem? Entre outras coisas, o Eu e seu esforço em tornar tudo pessoal, íntimo e sincero (ou seja, crível porque verdadeiro).

Então o corpo sem órgãos é um lugar ou um suporte onde acontecem tais intensidades? Não, é ele próprio quem acontece ao ser atravessado por elas. Para a experimentação do corpo sem órgãos não importa que algo aconteça ou se manifeste através dele, só importa a experimentação que irá construí-lo e a construção que permitirá experimentá-lo. Nada de experiências vividas antes da produção-ação. Estas não são nem as matrizes geradoras e nem aquilo que passa pelo corpo sem órgãos. Se insistirmos muito nelas, acabarão por agir como aquilo que bloqueia a circulação e o desencadeamento de devires.

Ao invés de pensar o corpo como uma casa ou um templo, parece-me mais interessante pensá-lo como uma porta ou um corredor. Não que ele possua portas que ao se abrirem, algo passará preenchendo-o. Ele mesmo é a porta pela qual as intensidades passam, e que só sente preenchido quando estas atravessam seu limiar, e não quando elas ficam ali.

Mas se não importa as experiências vividas outrora, a memória deve ser abandonada? Não, mas ela funcionará exatamente pelo recurso do esquecimento, como virtuais que atravessam o corpo sem precisarem se identificar como esta ou aquela experiência desta ou daquela fase da vida. É como a memória involuntária de Proust (DELEUZE, 1964). Ela não acontece se nos esforçarmos pela anamnese. Nada a ver com conteúdos guardados num sótão e que devem ser acessados, despertados e rememorados. A memória não é necessariamente a repetição do mesmo, pois a própria repetição já é outro modo de acontecer, de viver a coisa, e assim a própria coisa já se torna outra. É quando tento interpretar que acabo por reconhecer e identificar como sendo “aquele” acontecimento que retorna. E isto, ao invés de desencadear devires em meu corpo, irá sempre convencê-lo de que não importa os trajetos e vôos que ele tente alçar, estes nunca deixarão de ser apreendidos e identificados como experiências pessoais de um si sempre o mesmo.

Tentei portanto discutir a necessidade e as possibilidades que se abrem ao desvincular o corpo de um suposto Eu que se expressa através dele. Sobre a questão “O corpo não é um instrumento de trabalho do ator, o corpo é o ator”colocada por Ferracini, tentei mostrar a diferença radical entre encará-la como uma necessidade de se aproximar corpo e espírito, meu corpo de mim mesmo, sujeito e objeto, e encará-la como uma necessidade de afastar de vez o corpo da tutela do Eu, pois o corpo é muito maior do que este ínfimo Eu que foi inventado pelo próprio corpo, por mais que se tente convencê-lo do contrário.


Fonte: http://www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline/article/view/1366/1138

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A Coisa Mais Importante do Teatro

O ATOR

A coisa mais importante do teatro é o ator.

O escritor de teatro tem uma idéia na cabeça. Ele escreve uma peça. Esta peça tem que ser contada no palco, pois é só no palco que a história de teatro pode viver.

O compositor que escreve uma música precisa de um instrumento para poder comunicá-la. Pode usar vários instrumentos e um intérprete. No teatro, o intérprete e o instrumento são a mesma coisa: o ator.

Como o instrumento do músico tem que ser afinado para comunicar o melhor possível a melodia do compositor, também o instrumento do teatro, o ator, tem que ser afinado para melhor comunicar o que o dramaturgo quer dizer para o público, ou melhor, para o mundo. Quanto melhor for o ator, mais claramente a idéia do escritor é compreendida. Então, o ator é aquele que vive num palco as idéias de um autor (escritor).

Vejam como as coisas estão ficando mais difíceis. Não basta ter um corpo que sabe andar e falar para ser um ator. É preciso também usar esse corpo e essa voz. Muita gente pensa que basta decorar um papel de uma peça, subir num palco e despejar as palavras em cima do publico para se fazer teatro.

Isto é uma pena. Porque a pessoa fica muito infeliz quando vai ao teatro para se emocionar, para sentir alegria e tristeza, para ver e sentir a vida, para conhecer as ideias de um autor e encontra atores que parecem papagaios em cena e ás vezes papagaios que não sabem falar e se movimentar.

É tão importante o papel de um ator no teatro que para bem formá-lo existem escolas e academias espalhadas no mundo todo.

APRENDER A FALAR

O ator comunica o texto do autor ao público pela sua expressão. Ele se exprime pela voz, pelos movimentos e pela sensibilidade. Antes de continuar a nossa conversa sobre as qualidades do ator, quero fazer uma pequena pausa para dizer a vocês que existe também a brincadeira de Teatro que todos vocês podem fazer.

Um grupo de amigos se reúne e começa a estudar uma peça. E podem até fazer roupas, pintar cenários, decorar texto e representar. É muito divertido e útil. Ás vezes, é brincando que a gente descobre que quer transformar aquela brincadeira em coisa séria, em profissão. Qualquer pessoa ou grupo pode brincar de teatro. A brincadeira pode durar um dia, uma semana, ou meses... e é claro que quanto mais a sério ela for feita melhores serão os resultados. Outra coisa boa de se fazer é inventar histórias e depois representar.

Qualquer História pode ser representada desde que o grupo saiba imaginar bastante... Para se brincar de teatro não é preciso se entrar em uma escola de atores, mas que, mesmo para brincar de teatro, é bom saber como é que se faz teatro de verdade.

Saber falar bem é uma coisa muito difícil. Vocês já repararam que existem professores que sabem muito a matéria, são muito sérios, mas não sabem falar direito? Então a aula fica chata, dá sono, dá vontade de conversar, de sair da sala. Às vezes o defeito deste professor é não saber transmitir o que ele sabe aos alunos. Sua voz é monótona, ele engole as letras finais, enfim, ele precisa de uma boa aula de dicção. Dicção é a arte de saber falar direito. Existe também a palavra empostação. Tudo isto o ator tem que aprender para que possa dizer bem o seu texto. Mas antes de ele falar, ele tem que saber dominar o seu corpo. Mesmo se ele tem uma voz muito boa e naturalmente empostada, às vezes, só porque ele está nervoso, com medo, sua voz treme ou fica estrangulada na garganta. Ele precisa então aprender a relaxar, a dominar seu gesto e suas ações.

O CORPO

Anteriormente, falamos sobre a voz do ator. A voz, como vimos, é muito importante, mas ainda não é tudo que o ator precisa para ser um bom ator. Ele precisa também saber transmitir o seu papel pela expressão do corpo, pelos gestos. Falei que o ator precisa aprender a relaxar, a dominar seus gestos e ações. Vocês devem estar achando estranho uma pessoa ter que relaxar para representar bem. Vou explicar: se o ator está tenso, isto é, cheio de medo, envergonhado ou preocupado em não esquecer o papel, ele não consegue direito nem fazer as suas falas nem se movimentar na marcação. Ele fica plantado no chão dizendo seu papel como um papagaio e acaba estragando tudo. Para que isto não aconteça, ele precisa saber se controlar para usar melhor seu corpo e suas emoções. Um nadador não precisa treinar bastante para entrar numa competição? Não precisa exercitar seu corpo para cada dia do treino nadar com mais velocidade e classe?

É isto que o ator tem que fazer: exercitar seu corpo e suas emoções para que cada dia possa representar com mais desembaraço e naturalidade. As emoções não podem ser representadas de qualquer maneira.

Para que o ator sinta alguma coisa quando está representando. é preciso primeiro que ele esteja calmo. isto é, relaxado, sem tensões, para que o sentimento que ele for representar pareça verdadeiro.

A MARCAÇÃO

Os atores acabam de estudar o texto (a peça escrita) e agora vão decorá-lo para que ele se transforme em teatro, isto é, a peça falada e representada no palco.

Chegou a hora da marcação. Mas ainda falta muita coisa. Teatro é uma arte que necessita de muito esforço, muita dedicação e muito trabalho.

"Então por que fazer teatro?”

Porque é bom e porque eu gosto. Se você gosta de sua profissão, as coisas difíceis ficam muito mais fáceis de se fazer. Mas vamos voltar ao teatro. Marcar a peça quer dizer colocar os atores andando pela cena. As vezes vocês vão a um teatro e pensam que cada ator anda por onde quer. Tudo parece muito natural e fácil.

No entanto, para parecer muito natural o andar de cada um e sua colocação na cena, o diretor e os atores tiveram que suar muito. Tiveram que ensaiar durante meses. Primeiro, ainda com o papel na mão, porque o texto ainda não está bem decorado, os atores começam a descobrir os lugares por onde terão que se movimentar e o diretor vai dando as sugestões de acordo com a história. Por exemplo: se João e Maria estão fazendo uma cena juntos (contracenar), o diretor procura a melhor maneira de mostrar ao público o que eles estão sentindo. O diretor diz:

- Maria, anda até a direita e fica de costas, esperando a chegada de João. É preciso que você finja que não sabe que ele vai chegar.

"Por que fingir?"

Porque teatro é uma espécie de fingimento. João e Maria estão fingindo que são pessoas diferentes deles mesmos. Eles não se chamam Pedro ou Lúcia? Portanto, Maria tem que fingir que está fingindo.

Complicado, hein?

Sobre o Ator



A primeira fase do ator é a da vocação, aquela em que ele está em uma ignorância total de si mesmo, a de sua sinceridade. A ilusão de querer ser outro perturba sua personalidade e sua existência. Para obter uma nova identidade, ele procura fugir de si mesmo, evadir-se, e acredita ingenuamente que Orestes, Hamlet ou Alceste aguardam para tomar vida que ele enfim lhes empreste sua alma. O amor dos heróis de Racine é seu, a melancolia de Alfred de Musset é a sua. Todo o teatro - ele crê - começa nele e por ele.

A segunda fase é o resultado normal e lógico desse primeiro estado. O egoísmo monstruoso, essa congestão da sinceridade, esse frenesi nos quais vivia o ator, não podem ser suportados por mais tempo. Desiludido, fatigado, insatisfeito, o ator começa a se dar conta de que essa transferência de si mesmo para um outro, que a posse da personagem, é ilusória; seu ardor apaixonado e irrefletido dá lugar não a um conhecimento de si mesmo, mas a uma espécie de consciência de si mesmo.

Nesse labirinto em que se debatia, ele chega enfim a um impasse, a si mesmo. Ele encontra-se, descobre-se e toma consciência daquilo que faz.

É nesse mesmo momento que ele descobre a convenção do teatro, as exigências de seu ofício, que percebe seu papel complexo de instrumento e de instrumentista, e que sua existência em cena é uma função do público que o escuta, dos parceiros que lhe respondem e da personagem que deve representar.

O ator descobre assim a simulação.

Descobre a mentira em que estava instalado. Reconhece e confessa sua insinceridade. Compreende que é duplo: que vive entre o ser e o parecer, em um deslocamento forçado; que aquilo que ele denominava de sua arte é antes de tudo uma prática, um ofício.

A terceira fase é a mais rara de ser alcançada e a mais difícil de fazer compreender. É aquela em que o executante domina enfim sua sensação. Tudo o que experimentava na segunda fase destila-se e sublima-se ainda até o extremo ponto de uma sensação alta, quente, e que poderíamos chamar de intuitiva. O ator, em uma curiosa independência, aproxima-se do sentimento dramático.

Tendo encontrado o sentido de seu ofício, ele pode então dar um sentido a sua vida.

(Louis Jovet)